E se a Copa de 1942 tivesse sido realizada?

Enquanto a Copa vive seu último recesso, os blogs Abrindo o Jogo e Futebol Clube propõem a você, leitor, um exercício de imaginação: e se a Fifa tivesse mantido a realização da Copa do Mundo para 1942, a despeito da II Guerra Mundial?

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A história já está escrita, mas é possível imaginar quem poderia ganhar a Copa. E as notícias não são animadoras: dois dos grandes rivais brasileiros, Argentina e Itália, dominavam o período.

Para esse exercício, é preciso ter alguma base histórica. Uma pesquisa em cima dos principais times da época já daria uma boa noção de quem seria sede daquele Mundial. Com a Europa toda ocupada por tropas, a ideia da Fifa era trazer a Copa  para a América do Sul já em 1942. Falava-se em dividir a realização entre Argentina e Brasil. Podemos imaginar, no entanto, que como a Copa de 1950 ocorreu no Brasil – que era o país mais pronto para receber o evento – e que apenas em 2002 a Fifa aceitou dividir a realização, o Mundial de 1942 ocorreria em terras tupiniquins.

Treze equipes participaram da Copa em 1950, um número menor que as 16 que jogaram o torneio em 1938. Assumindo que 16 times jogariam o Mundial de 1942 no Brasil, é preciso definir a distribuição das vagas. Sul e norte americanos seriam maioria, com 9 equipes. Brasil, Argentina (que não jogou em 50), Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia seriam os candidatos naturais na América do Sul, pelo desempenho na época; EUA, México e Cuba (que jogou a Copa de 38 na França), viriam pela América do Norte.

Cubanos na Copa em 1938: iriam também em 1942?

Em situação normal, os europeus teriam mais vagas que os americanos, mas a guerra consumia forças. Assim sendo, é possível imaginar que as demais 7 vagas seriam cobertas pelo Velho Continente em 1942. Asiáticos participaram do Mundial de 1938 com a Indonésia e voltariam em 1954, com a Coréia do Sul; africanos, em 1970, com Marrocos. E um representante da Oceania só apareceu em 1974, com a participação da Austrália.

O conhecido perfil político da Fifa, que tinha Jules Rimet a frente, ajudaria a contemporizar os ânimos e garantir presenças importantes na Copa. Porém, no contexto da época, é preciso lembrar que 1942 foi o ano em que o Eixo teve maior domínio territorial no planeta, o ano em que os Aliados começaram a resposta contra os comandados de Hitler. Assim sendo, é possível imaginar que Alemanha e Áustria, unificadas, mandariam um time “Ariano”, na tentativa de Hitler mostrar sua superioridade também no Esporte; França, Holanda e Bélgica estariam fora, dominadas pelos alemães.

A Itália, ocupada pela Alemanha, mas com afinidades políticas, mandaria também seu poderoso time. Hungria, Tchecoeslováquia e Iugoslávia, aliados políticos de Hitler também participariam, com bons times. A Suécia seria outra participante, já que seu campeonato nacional seguiu acontecendo. Por fim, com um empurrãozinho dos EUA, a Inglaterra anteciparia sua primeira participação na Copa, depois da recusa inicial. A ideia seria ter nos inventores do futebol uma resposta em campo às pretensões arianas de Hitler. No entanto, sem a realização da Liga Inglesa nos anos entre 1939 e 46, o time não seria dos melhores. A URSS, ocupada com a invasão das tropas nazistas, acabaria por não participar.

As cidades-sede seriam seis, como em 1950. Cinco no sul-sudeste e uma no nordeste. Recife, com a Ilha do Retiro inaugurada em 1937, faria uma reforma para 20 mil lugares – como fez para 1950 – no estádio do Sport. Porto Alegre teria o Estádio dos Eucaliptos, do Inter, inaugurado em 1931 e reformado de 10 para 30 mil lugares. Curitiba, ainda sem a Vila Capanema, apostaria no Belfort Duarte – que viria a ser o atual Couto Pereira – por ser maior e mais confortável que o estádio da Baixada. O campo do Coritiba ganhou iluminação em 1942, ano da suposta Copa.

Em Minas, o Independência ainda não estava de pé, tampouco o Mineirão. A Fifa sugeriria excluir Belo Horizonte da Copa, o que seria rapidamente descartado pelo Governo. A solução seria ampliar de 5 para 20 mil lugares o estádio do Atlético Mineiro, Presidente Antônio Carlos, no lugar onde hoje existe um shopping. O Rio de Janeiro ofereceria ao Mundial o estádio de São Januário, do Vasco, então o maior do País. Mas, apesar do carioca Luiz Aranha ser o presidente da CBD, a final seria em São Paulo, que contaria com o recém-inaugurado estádio do Pacaembu (1940) para 70 mil pessoas.

Pacaembu, e não o Maracanã, o principal estádio para 1942

A Seleção Brasileira a ser convocada pelo então técnico Adhemar Pimenta (o mesmo que convocou o time para a Copa América naquele ano no Uruguai) seria basicamente montada por times de Rio e São Paulo, exceção feita ao goleiro Caju e ao lateral Joanino, ambos do Atlético Paranaense, e também ao atacante Paulo Florêncio, do extinto Siderúrgica, de Minas. Jayme de Almeida, do Flamengo, pai do ex-técnico flamenguista, e jogadores mais badalados como Domingos da Guia (Flamengo), Affonsinho e Tim (Fluminense) e Brandão e Servillo (Corinthians).

Aquela equipe começou o ano arrasando o Chile (6-1), mas perdendo para o Uruguai (0-1) e Argentina (1-2) no caminho, no Sul-Americano. No entanto, na Copa, a realidade poderia ser outra. Como dono da casa, o Brasil cresceria na competição.

A Argentina viria fortíssima. A base seria “La Máquina” do River Plate, onde surgiu Di Stefano, e que ganhou os títulos nacionais de 1941, 42 e 45. O craque era Adolfo Pedernera. A própria Argentina venceu muito naquele período. Campeã da Copa América em 1941, 45 e 46, o time dos Hermanos era uma potência. Como a Itália. Possivelmente seriam os times a disputar aquele título. Bicampeã do Mundo entre 1934 e 38, ganhou também as Olimpíadas de 1936. Chegaria montada como a equipe mais temida do Planeta na ocasião, com jogadores da Roma e do Torino como base. O consórcio Alemanha-Áustria teria como base as equipes do Schalke 04 (time da preferência de Hitler) e do Rapid Viena, os dois últimos campeões nacionais. Também viriam disputar o título o Uruguai, campeão sul-americano justamente em 1942, e a Hungria, vice-campeã em 1938. A Suécia, que viria a ser campeã olímpica em 1948, poderia correr por fora.

O regulamento da época previa quatro quadrangulares com o campeão passando para o quadrangular final. Brasil, país sede, Uruguai e Itália, campeões do Mundo seriam cabeças de chave facilmente. O quarto cabeça de chave, no entanto, causaria polêmica. Alemães e ingleses queriam a honraria, cada um com sua filosofia amparada na II Guerra Mundial. Como a fascista Itália já era cabeça de chave, Rimet prestigiaria a Inglaterra, mas não sem armar uma surpresa: ingleses e alemães estariam no mesmo grupo.

Sem ser considerado favorito, o Brasil, como força intermediária, receberia a vice-campeã Hungria em sua chave. Além dos dois, Cuba e Iugoslávia fariam parte dessa chave. O jogo de abertura marcava o encontro brasileiro com a Hungria, em São Januário, no Rio. Ajudado pelo calor, o Brasil venceria por 3 a 1 ao time envelhecido de Cseh, Szabo, Gyorgy Sarosi e Zsengeller. A Iugoslávia venceria Cuba em Belo Horizonte por 2 a 1 e empataria com a Hungria em Porto Alegre 2 a 2. Brasil e Iugoslávia jogariam em Recife, com nova vitória brasileira, 2 a 1. Em Curitiba, a Hungria, faria 9 a 1 em Cuba e, com 3 pontos, já não alcançaria mais o Brasil, que tinha 4 – as vitórias valiam 2 pontos. São Paulo veria a terceira e empolgante vitória do Brasil, sobre Cuba, por 7 a 0.

Pensando em fortalecer a Europa, a Fifa colocaria Uruguai e Argentina no mesmo grupo. A eles se juntariam Suécia e EUA. Em Porto Alegre, o Uruguai atropelaria os EUA por 6 a 0, enquanto os argentinos apenas empatariam com os suecos em BH, 2 a 2. Os americanos perderiam também seu segundo jogo, no Rio, para a Suécia, 0 a 3. E São Paulo assistiria o duelo Sul-Americano. Ao contrário do que aconteceu em 1942, na Copa América em Montevidéu, o campo não favoreceria a Celeste Olímpica e a máquina argentina faria implacáveis 4 a 1 nos rivais, que ainda empatariam com a Suécia em Porto Alegre, 3 a 3. No Rio, a Argentina faria 8 a 2 nos EUA e seria a classificada nessa chave.

A Itália, então bicampeã, estaria em uma chave com Bolívia, Chile e Tchecoeslováquia. A estreia, em Curitiba, seria um passeio nos bolivianos: 7 a 1. Chile e Tchecoeslováquia fariam um jogo memorável em Recife, com triunfo chileno por 5 a 4. Seria a primeira zebra das Copas. Em São Paulo, a Itália não passaria de um empate com a Tchecoeslováquia por 2 a 2, decepcionando seus migrantes na capital paulista. A Bolívia seria vitima de nova goleada, 5 a 0, em Porto Alegre. Vivo na disputa, o surpreendente Chile jogaria com a Itália no Rio de Janeiro, por um empate. A derrota apertada viria apenas no fim: 1 a 0 para os bicampeões mundiais, gol de Valentino Mazzola, do Torino. A Tchecoeslováquia se despediria da Copa em Minas, vencendo a Bolívia por econômicos 3 a 1.

A grande expectativa estaria pelo grupo com Inglaterra e Alemanha. A Fifa marcaria esse jogo para a última rodada, em São Paulo. No caminho, os ingleses estreando vencendo o México em São Paulo, 3 a 1. Em Curitiba, no campo do “alemão” Coxa, o consórcio Alemanha-Áustria faria 8 a 0 no Paraguai. Os paraguaios, porém, complicariam a vida da Inglaterra. O jovem time montado as pressas, já que a Liga Inglesa estava parada desde 1939, apenas empataria em Recife com o time guarani, 1 a 1, enquanto que os alemães atropelariam também o México, 6 a 2, jogando no Rio de Janeiro. No entanto, não seria bom aos planos da Fifa um título alemão. Originalmente marcado para Porto Alegre, o jogo entre alemães e ingleses foi transferido para Recife, com uma suposta dificuldade de transporte sendo alegada pelos britânicos. Considerando-se superiores, os germânicos fizeram a viagem, pegando uma Inglaterra descansada. E a zebra surgiria: 1 a 0 para os ingleses, que se defenderiam 90 minutos. Com 5 pontos contra 4 da Alemanha, a Inglaterra chegaria ao quadrangular final. México e Paraguai teriam seu jogo, marcado para Belo Horizonte, cancelado.

O quadrangular então reuniria Brasil, Argentina, Inglaterra e Itália. Os jogos seriam apenas entre Rio e São Paulo. Na estreia, no Rio, Tim comandou o ataque brasileiro contra a combalida Inglaterra, que já havia feito o que tinha a se fazer nesse suposto mundial. Vitória por 3 a 0 e festa brasileira. Ainda mais quando se viu o empate entre argentinos e italianos, 3 a 3, no Pacaembu. A Argentina jogaria em São Januário contra a Inglaterra e também venceria, 4 a 1, com Juan Carlos Muñoz, do River,  marcando os 4 gols. Em São Paulo, seria a vez de Caju e Servillo brilharem. A Itália pressionaria, mas pararia na Majestade do Arco. E com dois gols do corintiano, os paulistas viram a vitória brasileira, 2 a 0.

A decisão aconteceria um dia depois de mais um brioso jogo inglês contra os então bicampeões. Com um surpreendente 3 a 2, a Inglaterra chegaria ao 3º lugar, a frente a Itália dominada pelo fascismo, e aplicaria um golpe filosófico no Eixo. Mas os olhos do futebol estavam de olho no clássico do Pacaembu. O Governo Getúlio Vargas incentivava o nacionalismo, mas a empolgação seria menor do que a vivida em 1950.

Setenta mil pessoas assistiriam ao duelo. Em janeiro de 1942, em Avellaneda, a Argentina fez 5 a 1 no Brasil e venceu a Copa Rocca. A derrota ainda estava muito viva na cabeça dos brasileiros. Ficaria ainda mais quando Adolfo Pedernera marcasse 1 a 0 para os alvicelestes. O jogo seguiu tenso, com Caju trabalhando mais que o desejado. Nos seis confrontos entre os times na época (de 1940 a 42), foram 4 vitórias argentinas e apenas uma brasileira, o que demonstrava como seria dura a luta do Brasil naquela Copa.

Mas o Pacaembu veio abaixo quando Jayme de Almeida cruzou para Brandão empatar. Ao contrário da euforia de 1950, o Brasil não contava com o título e precisava de superação para segurar a esquadra argentina. Sem o champanhe no vestiário, os brasileiros correram até o fim e seguraram a força dos vizinhos, 1 a 1.

A tensão tomou conta do Pacaembu na cobrança dos pênaltis. De maneira competente, um a um, todos foram batendo e convertendo. E então viria Hermínio Masantonio. O maior artilheiro da história do Huracán teria a chance de abrir 5 a 4 no Brasil, jogando a pressão para Tim. Masantonio pararia no vôo certeiro de Caju, permitindo aos donos da casa a chance de ganhar a taça. Tim, calmamente, colocou a bola no fundo da rede:  (após dois avisos de dois leitores mais atentos que o escritor, mudamos o rumo da prosa: não tem pênaltis, o empate já bastava) na reta final da partida. A Argentina era só pressão. Hemínio Masantônio, maior artilheiro da história do Huracán, teria ainda uma grande chance na cara de Caju, mas não superaria o goleiro brasileiro. No final, Tim ainda cavaria uma falta próximo a bandeira de escanteio, que jamais seria cobrada: ao apito final do juiz, 1 a 1, Brasil, campeão do Mundo!

Goleiro Caju, um dos eventuais titulares para 1942

Consequências

É preciso imaginar também quais seriam as consequências deste suposto título brasileiro. A primeira delas: sem a maldição da camisa branca, com o Maracanazo de 1950, o Brasil jamais usaria amarelo. E o próprio Maracanã só viria a ser erguido em meados dos anos 50, como resposta fluminense às obras do Pacaembu e da Fonte Nova. É improvável que a Copa de 1950 também acontecesse no País, já que o período seria muito curto entre um Mundial e outro. Porém, dependendo da necessidade da Fifa, não seria impossível. O Mundo viveu o pós-guerra na época e o Brasil já estava pronto. Em 1986, com a desistência da Colômbia, o México recebeu o seu segundo Mundial num intervalo de apenas 16 anos. Porém uma aposta mais segura para 1950 seria a Argentina, também na América do Sul.

Amarelinha não existiria sem o Maracanazo

E em 1946? Bem, essa é outra história, para você ler aqui.

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