A CBF entrou na briga para que o Atlético Mineiro use o Independência na decisão da Libertadores (veja aqui). A defesa política ao filiado é justa e lícita, embora contrarie um regulamento que, de fato, interessa só às vezes, como a história mostra. Com 53 jogos e 43 vitórias no Horto, o Galo tem mais motivos do que apenas o rendimento em campo para usar o estádio de apenas 23 mil pessoas em detrimento do Mineirão, que por muitos anos recebeu os jogos do time.
A casa do América-MG passou a ser o caldeirão do Galo e virou símbolo nessa Libertadores. Ao entrar na briga, a CBF fortalece o aspecto político para decisão contra uma equipe paraguaia, local da sede da Conmebol. O principal argumento do Atlético-MG para utilizar o Horto é a justiça: o Defensores del Chaco, principal e maior estádio paraguaio, tem capacidade apenas para 38 mil lugares. Se o regulamento prevê o mínimo de 40 mil lugares, por que a Confederação Sul-Americana ignorou a regra? O próprio site da Associação Paraguaia de Futebol atesta isso:
O Defensores del Chaco já recebeu até 50 mil pessoas, mas uma reforma orientada pela Fifa, visando segurança, reduziu e modernizou o estádio. O Olímpia já decidiu outras cinco edições da Libertadores no Estádio. A última, para 40 mil pessoas, contra o São Caetano. Há quem argumente que a redução seja por conta da segurança dos torcedores e que o estádio, de fato, cabe mais de 38 mil torcedores. Um contra-senso, sem dúvida, pois mudar os laudos para atender um regulamento que preza por segurança e conforto, contrariando o mesmo item que reduziu a capacidade, é apenas por necessidade política. Que se mude o regulamento, então.
O próprio futebol brasileiro já se beneficiou de algo parecido. Com capacidade reduzida para 37.952 pessoas pelos órgãos de segurança de São Paulo, o Pacaembu foi “inflado” novamente em 2009, quando novos laudos foram emitidos para elevar a capacidade para 40.199 lugares, o que atendeu as necessidades de Santos em 2011, para a final contra o Peñarol, e Corinthians em 2012, contra o Boca Jrs. Algo que não poderá acontecer com o Independência, pois a capacidade de 23 mil lugares é muito inferior a exigida. No entanto, regra é regra, certo?
Não. Em 2006, Colo-Colo e Pachuca decidiram a Copa Sul-Americana com um dos estádios comportando menos de 40 mil lugares. O Estádio Hidalgo, casa do Pachuca, tem 30 mil lugares e recebeu o primeiro jogo da decisão. O Pachuca seria campeão no Chile, depois de um 1-1 em casa, ao bater o Colo-Colo por 2-1 no Estádio Nacional (47 mil lugares). O Colo-Colo não se opôs à decisão na casa do rival. Diferente do que aconteceu na decisão da Libertadores 2005, quando o Atlético Paranaense foi impedido de jogar na Arena, então com capacidade para 26 mil torcedores. Nos bastidores e com o regulamento na mão, o São Paulo vetou o jogo na Arena, mesmo com a instalação de arquibancadas móveis que capacitaram o estádio para os 40 mil lugares. A Arena recebeu um único jogo nesse formato: o clássico Atletiba, maior rivalidade do Paraná, assegurado em segurança pelo Crea e Corpo de Bombeiros. O São Paulo não aceitou e o jogo foi disputado no Beira-Rio, em Porto Alegre – empate em 1-1. Na volta, o Tricolor Paulista fez 4-0 e ficou com a taça. Outro episódio aconteceu em 1999, quando o Palmeiras decidiu a Libertadores no Parque Antártica. As informações sobre o público daquele jogo são imprecisas em várias fontes, mas apontam, em média, 32 mil pessoas presentes.
Diferente do xará paranaense, o Galo tem uma opção em Belo Horizonte. O Furacão não pôde contar com o Couto Pereira, vetado pelo próprio Coritiba, que divugou laudos que atestavam uma capacidade de 37 mil lugares em sua casa – curiosamente, em 2006 pela Série B, o Coxa recebeu 43.646 torcedores na derrota para o Marília por 2-3, que poderia resultar no acesso do Alviverde à Série A. O Galo, por sua vez, tem o Mineirão, outrora sua principal casa. Por que não jogar lá?
- Mineirão ou Minas Arena?
Desde o acordo para a reforma do Mineirão o Atlético-MG bateu o pé para o que lhe foi ofertado. Encontrou refúgio no Independência e criou uma simbiose. Porém, foi no Mineirão que o Galo viveu seus principais momentos na história: diversos títulos estaduais, incluindo o último, semifinais e finais de Brasileirão, Copa Conmebol e outros grandes jogos. Qual a insistência com o Horto?
Além do ótimo retrospecto estatístico, não jogar no Mineirão é questão política. A negativa persistente do Galo sobre a oferta para voltar a velha casa tem como fundo os rendimentos. Parece um contra-senso preferir jogar para 23 mil pagantes no Horto, quando o Mineirão pode receber 63.936 pessoas. O problema está no contrato. Segundo o que foi divulgado no acordo com o Cruzeiro – que pode servir como base da análise – o clube mandante tem que ceder aproximadamente 10 mil ingressos para a gestora do estádio. Tem também que pagar 70% de todas as despesas. Alguns funcionários receberiam, por exemplo, cerca de 4 mil reais por jogo, o que gerou reclamações públicas do Cruzeiro. O presidente Alexandre Kalil já fez diversas reuniões com a administradora do estádio, mas chegou a qualificar como “draconiana” a proposta para o Galo.
Se a CBF conseguirá a mudança através de política, saberemos essa semana. Até o presente momento, o jogo segue marcado para o Mineirão. Mas, independente do que aconteça, é hora da Conmebol rever uma regra que vale só às vezes e, de fato, não acrescenta nada ao futebol.