Paraná Clube na Bolsa de Valores: entenda os riscos e as possibilidades

 

A partir de Abril, o Paraná Clube será o único clube brasileiro a estar com ações na Bolsa de Valores. A Bovespa vai comercializar as ações do Tricolor dentro de um investimento já existente: a Atletas Brasileiros Sociedade Anônima. Será uma inovação mundial: ao contrário do que se faz na Europa e em outros clubes na América do Sul, o Paraná disponibilizará apenas os direitos econômicos dos atletas do clube. Conversei com Alexandre Azambuja, o empresário responsável pela holding que ingressará o capital do Paraná na Bolsa. Ele explicou a ideia:

Blog: Quando as ações estarão disponíveis? A que preço médio?
Azambuja: Possivelmente no começo de Abril. Estamos aguardando algumas liberações. O Paraná entra num investimento já pronto, chamado Atletas Brasileiros S/A, mas ele vai ter controle. O preço alvo da ação, imagina-se, será R$ 2,40 em lotes de cem ou mil. São 5 milhões de ações, na verdade é a Bovespa quem vai orientar quantos lotes. No caso, 5 mil vezes 1000 ações, vezes os R$ 2,40 – um pacote sairá algo em torno de R$ 2.400,00. O volume será 10% do total de ações. A AB S/A* vai comprar todos os 59 jogadores do Paraná. Num segundo momento, vamos buscar outros jogadores.

*abreviatura usada no texto para Atletas Brasileiros S/A

B: Jogadores que poderão vestir a camisa do Paraná?
A: Não necessariamente. Pode-se eventualmente adquirir direitos de um atleta, ele vai pro clube, mas o técnico decidirá quem joga. Além disso, podemos ter direitos de atletas que nem passem pelo Paraná, pelo atrativo de mercado.

B: Comprar os direitos do Neymar, por exemplo.
A: Isso. Ele somaria a carta. Mas a ideia central é outra, é exportar. Vamos montar escritórios na Ucrânia, Rússia, Portugal, Coreia do Sul, China e Argentina. Vamos buscar jogadores e fazer a ponte. Chama-se off taker. Você compra direitos e ganha a preferência.

B: E dos jogadores que hoje são do Paraná, qual fração irá pra Bolsa?
A: Cem por cento do percentual que cabe ao Paraná. Todos os direitos que seriam do Paraná serão transferidos pra AB S/A. O que eventualmente for de empresários, de outro clube, não.

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B: Quem decide quando transferir o atleta de clube?
A: A venda é sempre feita pelo clube. Como será previamente alienado à companhia, a mesma toca o negócio. Na verdade, o Paraná poderá fazer duas coisas quando essas vendas acontecerem: distribuir o lucro entre os acionistas ou comprar mais jogadores. O Paraná decide quando vender, quem. Aí elimina-se a pressão entre investidor e clube.

B: Quanto, do total da carta de ações será de direito do Paraná?
A: Dois terços, digamos 66% do total.

B: E se as finanças do clube apertarem?
A: Nesse caso, quando o Paraná precisar de dinheiro, vende ações. É claro que também pode vender jogadores. Aliás, eles serão vendidos, mas o clube pode esperar a melhor hora.

B: Assim como na Europa, o clube disponibilizou patrimônio físico?
A: Não. Nenhum patrimônio do Paraná entrou. O único ativo é o direito econômico. Hoje, o elenco do Paraná é avaliado em R$ 380 mil, contabilizados no balanço como investimento. É um ativo intangível. Quando o Paraná transferir pra AB S/A haverá a cotação em bolsa e essas ações vão ser contabilizadas nos ativos. A gente espera que na precificação inicial valha 63 milhões de reais.

B: Qual é o universo total de ações da Atletas Brasileiros?
A: A companhia tem 45 milhões de ações. Vão entrar mais ações e proporcionalmente o percentual será menor. A companhia vai emitir novas ações para entrada de novos acionistas.

B: Como o Paraná vai lucrar?
A: Vendendo os jogadores ou ações. E há um compromisso duradouro no contrato. A gente negociou fortemente com a direção que se o Paraná sair do negócio, tira-se o interesse do investidor. O clube é quem tem os direitos, o que dá uma segurança jurídica ao investidor. Se você compra os direitos e o clube despede o jogador, por exemplo, seu dinheiro virou pó. E ao invés de ser um banco financiando vários clubes, era melhor uma parceria com um clube só, que se comprometesse até o fim. É uma engenharia diferente.

B: E se as coisas apertarem para o Paraná a ponto do clube vender ações até se tornar acionista minoritário? Pode perder o controle do próprio time?
A: A relação fica normal entre investidor e clube. Se inverter, digamos, se o Paraná tiver 30% e os investidores 70%, segue normal. Porque o clube segue gerando atletas na base e segue alimentando a companhia, mesmo não sendo mais controlador. E, em todo, caso vai ter embolsado o dinheiro da venda das ações. Isso, na precificação inicial, vai equivaler à metade do patrimônio do clube, que hoje é avaliado em R$ 124 milhões, sem vender nenhuma sede.

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B: Mas pode haver um grupo controlador externo então…
A: Poderá haver isso, mas só se pode comprar ações ofertadas. Para alguém tomar o controle do clube, o próprio Paraná tem que por elas a venda. Não tem como tomar o controle no take over (termo usado quando há mais sobrando ações no mercado), o Paraná está seguro e não vai perder, a não ser que ele venda. E mais: quando alguém entra comprando pesado, o preço sobe, então o clube vai lucrar.

B: Ainda assim, você diria que isso seria prejudicial?
A: Os investidores vão querer o sucesso do clube. O maior sentido dessa engenharia é o Paraná subir pra Série A. Os atletas vão ter vitrine maior, valer mais. O interesse do investidor é o mesmo do torcedor.

B: Quem poderá comprar?
A: Qualquer pessoa que tiver conta em corretora. Qualquer banco que tenha corretora, você pode buscar via home broker ou em uma operadora.

B: Quanto tempo deve-se manter os papéis?
A: No mínimo pelo primeiro ano, vai ter viés de subida. Vamos captar o dinheiro e abrir os escritórios fora, comprando jogadores – não necessariamente jogarão no Paraná. A tendência é que o preço suba. Mas isso pode ser melhor dito por uma consultora.

B: Quantos clubes têm esse tipo de ação no Brasil?
A: É inédito no Mundo. Os clubes que tem capital aberto na Europa, eles envolvem tudo com o clube, desde verba de TV, patrimônio e mais. Aqui, só os direitos econômicos.

B: Qual a relação entre os resultados de campo e o crescimento das ações?
A: Em qualquer lugar do Mundo, todos os clubes tem essa relação. Se o clube vai bem, ações sobem. Se vai mal, caem. Isso vai junto no pregão da bolsa. Pode-se, de repente, ter um investidor torcedor, que vai manter a acão independente do resultado.

  • O histórico na Europa

Os ingleses foram pioneiros. Em 1983, o Tottenham Hotspurs foi o primeiro clube do Mundo a entrar na Bolsa de Valores. Hoje, a crítica principal gira na administração dos fundos gerados pela Bolsa: os fundos entram para dar lucro aos acionistas, mas perdem-se nos salários exorbitantes que são pagos aos jogadores – principal moeda dos clubes no mercado de ações. Trinta anos depois, mais da metade dos clubes da Premier League já se declararam insolventes em algum momento – fato que alguns bilionários russos e árabes aproveitaram para adquirir os clubes, como Chelsea, Manchester City e o próprio Tottenham.

Ao todo são 24 clubes europeus listados na bolsa. Entre os grandes, a Juventus da Itália, o Lyon da França e o Benfica de Portugal. Na América do Sul, destaque para os chilenos Colo-Colo, Universidad de Chile e Universidad Católica, que chegou a levantar 25 milhões de dólares na bolsa em 2009. Com o dinheiro, foi bicampeão chileno em 2010-11.

Mas nem tudo são flores. Recentemente o Liverpool anunciou um prejuízo de 40,5 milhões de libras (118 milhões de reais). Uma das soluções dos donos do clube foi jogar novas ações no mercado, adquiridas em grande parte pelos próprios donos, que consideraram a medida um “empréstimo sem cobrança de juros.” No entanto, o clube passou a ser 100% dos investidores. Isso não impediu, no entanto, um corte de salários na casa dos 13,5 milhões de libras (40 milhões de reais) entre os jogadores. O Liverpool, maior vencedor da Liga Inglesa até 2011, não vence o campeonato desde 1990 (quando venceu o 18º), sendo ultrapassado pelo Manchester United, que hoje tem 19 conquistas.

Liverpool e Manchester United tomaram caminhos opostos depois da entrada no mercado de ações

O Manchester United é, aliás, a exceção mais bem sucedida. Em 1990, o Manchester United ingressou na bolsa. Esteve nas mãos de Rupert Murdock, dono de grupos de comunicação nos EUA. Mas a guinada veio com a compra da maior parte das ações em 2003 por outro norte-americano, que ampliou a ação na bolsa no mercado dos EUA – o milionário Malcolm Glazer, que também é proprietário do Tampa Bay Bucaneers, time de futebol americano campeão da NFL em 2003, sediado na Flórida. Um dos segredos foi o investimento dos fundos na melhoria do Old Trafford, o estádio dos Red Devils.

Outro segredo atribuído por especialistas é o fato de 98% das ações atualmente pertencerem a Glazer, que controla tudo referente ao Manchester Utd. Com menos influência, ele pensa o negócio do fio ao pavio – e trabalha pelo sucesso dele. É o perfil do gestor, que cancelou o contrato com a bolsa, assim como Chelsea e Man. City, comprados na totalidade. Glazer, campeão 5x da Premier League, 1x da FA CUP, 3x da Copa da Liga, 1x campeão da Liga dos Campeões e 1x Campeão Mundial, não escapou, porém, da pressão da torcida.

Revoltada com a compra do clube pelo capital estrangeiro já em 1998, quando Murdock se tornou acionista majoritário, os torcedores criaram um fundo para compra de ações, o ShareHolders United. O grupo teve problemas internos e, obviamente, não conseguiu concorrer com a força do dinheiro dos norte-americanos, até que Glazer adquiriu 98% das ações.

Outro grupo, ainda mais revoltado com a compra do MUFC por Glazer, fundou um novo time: o FC United of Manchester, com as mesmas cores do United original. Fundado em 2005, começou na 9ª divisão inglesa e atualmente disputa a Unibond Premier League, um campeonato regionalizado que equivale à 7ª divisão – dá acesso a primeira das ligas profissionais do futebol inglês.