Passada a eliminação do Cruzeiro na Libertadores, a última entre as seis que os brasileiros viveram nessa edição, um dos principais articulistas de um movimento de renovação no futebol brasileiro aceitou o convite do blog para falar do futuro do esporte número um no país. O zagueiro Paulo André, ex-jogador de Guarani, Atlético Paranaense e Corinthians, mudou de endereço, mas não de pensamento. Atualmente no Shanghai Shenhua da China, Paulo André defende que o Bom Senso FC, movimento do qual faz parte, não sumiu e sim mudou de estratégia. Não vê legado da Copa além dos estádios e sentencia: o futebol brasileiro quebrou. Leia a entrevista:
Napoleão de Almeida: A Copa está chegando, esse é um ano eleitoral. Difícil desassociar. Mas, noves fora as jogadas políticas, a Copa trouxe ou trará, para os profissionais do futebol, alguma melhoria efetiva? Como você vê a realização da Copa aqui na posição de quem faz o espetáculo?
Paulo André: Acredito que os novos estádios, apesar de tudo, serão o único legado estrutural que a Copa deixará. Isso fará com que a transmissão dos jogos e a experiência do torcedor que frequenta estádios no Brasil melhore bastante. Mas no fundo, e é triste assumir isso, acho que o Brasil apenas mostrou a sua cara, a sua falta de organização e de planejamento históricos e sua mania de tentar resolver tudo com o jeitinho. Decisões políticas e não técnicas fizeram com que perdêssemos a chance de acelerar o desenvolvimento de políticas públicas que impactassem diretamente no dia dia dos brasileiros que viverão aí (porque estou na China) após o dia 12 de julho. As prioridades da população ficaram evidentes nas manifestações populares de junho do ano passado. A nós, resta devemos cobrando transparencia, eficiencia e punição caso seja constatada corrupção.
NA: Você faz parte do Bom Senso FC, mas o movimento parece ter perdido força com a sua saída do Brasil. Acaba que ficou a imagem de que você era a cabeça do movimento. É uma premissa verdadeira? Onde estão os demais, uma vez que os pedidos e sugestões a CBF parecem não ter tido efeito?
PA: O Bom Senso continua forte e trabalhando, a ponto de ter influenciado os rumos e as alterações promovidas pelo Dep. Otávio Leite no texto do Proforte. Sete das nossas 8 demandas de Jogo Limpo Financeiro estão comtempladas na proposta. Ou seja, encontramos outros caminhos para fugir da inoperancia e do desinteresse da CBF que, irritantemente, mantem sua política de tentar distrair e enfraquecer as demandas do movimento por meio do desrespeito aos principais atores do futebol nacional. É triste ver como tratam esse patrimônio do povo brasileiro que vai de mal a pior a cada ano que passa.
NA: Certa vez, em entrevista aqui ao Terra, o presidente do Atlético Paranaense, seu ex-clube, ironizou o movimento Bom Senso FC dizendo o seguinte: “Interessante eles (jogadores) se articularem agora, pois sempre quando precisa-se de uma renovação de contrato, nenhum conversa comigo. Mandam seus representantes”. É notória a presença dos empresários no futebol. Há quem diga ainda que só mudou o “dono” do jogador: do clube para o empresário. Como você vê essa crítica e por que o jogador raramente se faz representar?
PA: Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Admiro o Presidente Mario Celso Petraglia mas acredito que ele tenha sido infeliz nessa declaração. As negociações entre atletas e clubes não são simples e um representante, muitas vezes, se faz necessário para evitar desgastes importantes nesse tipo de discussão. É muito simples regularizar e fiscalizar as pessoas que querem ser empresários ou donos de “pedaços” dos atletas. Basta vontade política da CBF, dos clubes e de uma legislação mais específica. Mas aonde é que os dirigentes vão ganhar dinheiro se fecharmos com fiscalização e transparência essa torneira de compra e venda de jogadores? Há interesses obscuros de todos os lados nessa história. Não é tão simples assim. E outra coisa: Aos empresários só foi possível entrar nesse jogo porque os clubes, mal geridos, gastaram mais do que podiam e começaram a vender parte de seus bens. Do jeito que está não tem mais volta, virou uma zona.
PA: É o que temos falado nos últimos tempos. Na primeira reunião do Bom Senso com a CBF, o Juninho Pernambucano e o Seedorf foram claros nesses pontos e pediram que o Marin e o Marco Polo tomassem providencias. Os jogadores já perceberam, os treinadores já sabem, os outros países continuam vendendo um produto melhor que o nosso. Mas o pior cego é aquele que não quer ver. O Sr. Marco Polo del Nero e o Sr. Marin estão apostando todas as suas fichas no sucesso da seleção brasileira nesta Copa do Mundo. Gostaria que eles viessem a público e explicassem qual é o projeto para o nosso futebol. Como eles fortalecerão os clubes? Como eles internacionalizarão as marcas? Mas é impossível tocarem nesses assuntos porque desconhecem a solução. O talento brota da terra e os “poderosos” o exploram a torto e a direito. E enquanto isso acontece, nenhum clube brasileiro se classificou para as semi finais da Copa Libertadores. Isso é possível? Mesmo tendo uma receita 2 ou 3 vezes maior do que qualquer clube sul americano, ficamos de fora. O que mais precisa acontecer?
NA: O ‘Fantástico’ deste último domingo revelou um esquema de cambistas para ingressos da Copa. Antes, o ‘Olé’ da Argentina já havia denunciado um esquema que envolve organizadas. É muito dinheiro rolando. O torcedor está longe dos estádios, os jogadores são pouco ouvidos, os cartolas de clubes argumentam que o voto não é qualificado na escolha de uma presidência de confederação. Quem, afinal, é o dono do futebol brasileiro?
PA: O grande vilão é o estatuto da CBF que potencializa a força das “inuteis” federações. A maioria dos presidentes das federações se eterniza nos cargos e não fará nada para mudar essa realidade. É só ver os 5 vices da CBF que acabaram de se eleger. A quanto tempo cada um deles está no cargo? Para eles o importante é permanecer lá. Ninguém quer saber da capacitação dos treinadores e dos gestores, de medidas para trazer a paz aos estádios, de um novo calendário para o futebol nacional, do jogo limpo financeiro, da formação de atletas, da melhoria do nível técnico dos campeonatos, etc.. E assim vamos vivendo nessa ditadura mascarada. E a Globo, habilidosamente, se aproveita da fraqueza e do medo dos presidentes de clubes para controlar financeiramente o futebol.
NA: Ainda sobre torcidas organizadas: na final da Copa Itália, um incidente com os Ultras quase impediu a realização do jogo entre Napoli e Fiorentina. Jogadores tiveram de pedir permissão para começar a partida. Pelo visto, não é um problema exclusivo do Brasil. Qual o panorama que você encontrou na China? Quais as diferenças de organização para cá, por exemplo? E mais: vocês do Bom Senso FC têm/tiveram contato com atletas em outros países com problemas parecidos, como a Itália, para troca de experiências?
PA: Acho que a China é um caso a parte devido ao aspecto político do país. Se formos nos espelhar em alguém, devemos copiar o modelo inglês que quase erradicou a violência nos estádios de futebol no país. Fizeram isso há mais de 20 anos, obtiveram sucesso. O que estamos esperando? Com as novas arenas e sem uma nova regulamentação, verdadeiras catástrofes poderão acontecer.
NA: Estádios sem alambrados na Copa. Vocês, jogadores, se sentirão seguros para jogar nesse formato em partidas de clubes? Especialmente após o episódio do CT do Corinthians?
PA: Acho que falei sobre isso em respostas anteriores. Se não surgir um plano emergencial para esse caso, a impunidade, costumeira no país, ocasionará uma grande catastrofe. Clubes, Federações, torcidas, poder público e governo devem enfrentar seus demonios e arrumar a casa. Mas em ano de eleição isso será impossível. Ninguém mexerá nesse vespeiro.
NA: Nessa linha, pergunto: o Brasil está preparado para perder a Copa em casa?
PA: O futebol não passa de um jogo, de um esporte apaixonante. Torço pela Seleção e espero que os jogadores tenham sabedoria para aguentar a pressão que será gigantesca. Para mim, o importante é ver a seleção jogar o verdadeiro futebol brasileiro, que alegra e encanta o mundo todo. O resto é consequencia.
NA: Roberto Dinamite é o único ex-jogador que ocupa um cargo de presidente em um dos grandes do Brasil – e podemos até contestar a gestão dele. Você se vê nesse perfil? Gostaria de ser presidente de algum clube? Qual? E como se preparar para isso?
PA: Não sei o que será de mim amanhã. Desisti de pensar nisso. Vivo um dia de cada vez. Uma coisa é certa, independente do que eu decidir fazer, irei me preparar da melhor forma possível. Platini, Cruiff e tantos outros ex-jogadores alemães são referencias de pós atletas bem sucedidos além dos gramados.
NA: Ituano campeão paulista. Em conversas com jogadores e o técnico deles, percebi que o grande segredo do time foi ter salários em dia; desde quando a obrigação se tornou trunfo?
PA: Hahaha, nem me fale um negócio desse. Esse buraco é mais fundo do que voce imagina. O futebol brasileiro quebrou.
NA: Como vê a situação do Guarani, clube que te formou na base?
PA: Com tristeza. O Guarani sempre apostou em suas categorias de base para superar os grandes desafios. Na atualidade, Edu Dracena, Renato, Elano, Jonas, Mariano e tantos outros foram formados no Brinco de Ouro. Mas o clube não soube lidar com as alterações da lei Pelé, foi mal assessorado, mal gerido e fracassou na última década. É preciso ter os pés nos chão e recomeçar do zero. Repetindo os mesmos erros não se chegará a lugar nenhum.
NA: Tendo jogado em vários centros no Brasil, você vê, no modelo atual, “risco” de Espanholização no futebol brasileiro? É possível que dentro de algum prazo tenhamos dois ou três clubes apenas disputando títulos por aqui? E a palavra risco é a mais adequada mesmo?
PA: Não acredito que isso aconteça no Brasil. Mas acho que os clubes médios e pequenos devam se unir para evitar esse cenário. O modelo ingles e o frances de divisão de receita da TV me parecem os mais justos e, de certa forma, premiam o mérito da boa gestão e do resultado esportivo. O povo brasileiro não vai para o estádio para ver um espetáculo, vai para ver o seu time ganhar, ser campeão. Se essa possibilidade se tornar quase impossível, o futebol europeu vai ganhar ainda mais aficcionados no Brasil.