Muito já se falou e ainda se falará sobre a derrota do Brasil em casa na final da Copa de 1950 para o Uruguai. Depois de 64 anos, a Copa volta ao país que mais vezes ganhou o Mundial e uma nova derrota traria a tona todos os traumas da primeira vez aqui. No entanto, o que poucos sabem ou comentam é que o ‘Fantasma de 1950’ também assombra o Uruguai.
É a tese de Atilio Garrido, jornalista uruguaio autor do livro “Maracanã, a História Secreta”. O livro conta os bastidores daquela conquista histórica da Celeste, relembra que o mesmo Uruguai já havia vencido o Brasil meses antes da Copa e principalmente: atribui os últimos 64 anos de fracassos dos vizinhos, não só no esporte, aquela vitória épica.
Segundo o livro, o Uruguai era um país em plena evolução social, artística e política naqueles tempos. Expoente nas américas, os vizinhos já tinham representantes fixos na ONU e no tribunal internacional de Haya, eram reconhecidos internacionalmente pelo teatro, a poesia e a música (sem contar a eterna disputa com a Argentina para saber quem é o país de Carlos Gardel) e enquanto a América do Sul engatinhava politicamente, o Uruguai vivia uma democracia plena.
Apenas 72 dias antes da histórica final no Maracanã, o Uruguai tinha feito 4-3 na mesma Seleção Brasileira, no dia 5 de maio de 1950, em São Paulo. Na ocasião, olhados os anos anteriores, eram os uruguaios os reis do futebol. Bicampeões olímpicos e campeões mundias em 1930, a Celeste também tinha 8 títulos da Copa América contra apenas três do Brasil (os argentinos tinham nove; hoje, Uruguai 15, Argentina 14, Brasil 8). Embora o Brasil fosse o campeão sul-americano de 1949, o Uruguai tinha mais lastro.
“Tínhamos mais time. Era um grande time de futebol”, conta Garrido. “Ganhar era normal, o problema foi como tudo aconteceu”. Ao enfrentar o país-sede na final, o ótimo Uruguai se viu na pele de vilão. O Brasil também tinha um grande time e havia feito uma campanha fabulosa. Diferente dos dias atuais, não havia final. O Brasil enfrentou o Uruguai na última rodada do quadrangular decisivo após atropelar a Suécia por 7-1 e a Espanha por 6-1, no jogo embalado pela marcinha “Touradas em Madri”. Os uruguaios haviam penado para bater os suecos (3-2) e não passaram de um empate em 2-2 com a Espanha. Na última rodada, o Brasil jogava pelo empate e saiu na frente, 1-0.
“O Maracanazzo foi um ponto central na vida e na cultura uruguaia. Aquela virada, atribuida ao espírito Criollo, acabou por mudar toda uma geração”, atesta a obra. O tal espírito é o que por aqui chamamos de raça. A abnegação uruguaia, a superação ao calar 200 mil vozes e virar o jogo no Rio de Janeiro, trouxe ao país um recado de que o esforço supera o estudo. “Desgraçadamente, em todos os cenários intelectuais, quis se mostrar que esse seria um país sem fé, de burocratas obsoletos. Depois do Maracanã ficou mais bonito sermos indolentes, mostrar fé, ser Criollo ao invés de privilegiar a dedicação e a preparação técnica”, aponta a obra.
“Ainda estamos vivendo aquele Maracanã. Aqui, sinto que nos instalamos no ontem e de lá não queremos sair” é outra frase forte que sustenta a tese de Garrido. No entanto, o livro não é só tristeza e lamúria, como se a conquista não fosse querida. A obra passeia pela montagem do time, de um rompimento político com a AUF (Associação Uruguaia de Futebol) e dos relatos de viagem e diários de todos os atletas, com clubes de origem.
Curiosamente, no Brasil a tese é oposta: foi a partir da derrota de 1950 e do sentimento de vira-lata criado e combatido que a Seleção se tornou a maior de todas, vencendo mais que qualquer uma.