Anfield Road é um dos estádios mais míticos do futebol mundial. A casa do Liverpool, que nesse final de semana abriga o derby da cidade contra o Everton, é conhecida pela pressão nos adversários causada pela fanática torcida vermelha. “You´ll never walk alone”, uma música de 1945 que, em seu refrão, diz que “você nunca andará sozinho”. É o que está no portão de entrada de Anfield. Mas não é o que se vê no bairro, abandonado em quase todo o entorno do estádio, com afixação de cartazes como o da foto acima. Por conta de “abandono de projeto” (dereliction by design, como consta no cartaz), quase todos os vizinhos simplesmente abandonaram suas casas ao redor do estádio e hoje brigam contra o Liverpool FC e a prefeitura da cidade para serem indenizados. A foto abaixo ilustra bem a “cidade fantasma” ao redor de Anfield:

A briga começou em 1996, quando o Liverpool decidiu ampliar seu estádio, melhorando o padrão em relação a outros da Premier League. O conselho da cidade – leia-se prefeitura – deu apoio e começou então o processo de compra das casas. A própria prefeitura adquiriu alguns imóveis em benefício do clube. Próximo a Anfield está o Stanley Park, que seria integrado ao complexo novo com o apoio da cidade. O Everton, outro time da cidade, também seria beneficiado de certa maneira. O parque Stanley separa os estádios de ambos (Goodson Park de Anfield) com 1km de distância. Nem todos os donos, porém, aceitaram os valores. A partir dali instaurou-se uma guerrilha econômica.
Cerca de 10 proprietários não fecharam negócio e impediram o clube e a prefeitura de levar adiante o projeto nos últimos 18 anos. Dentro do direito de propriedade, eles entendem que a oferta não é boa suficiente para fechar negócio. No entanto, com as demais casas compradas – e desocupadas – o bairro foi ruindo. As pessoas que fecharam negócio foram deixando suas casas, as lojas foram fechando as portas. O bairro se tornou fantasma.
Uma associação de moradores que permanece com a posse das casas protesta contra a forma “vampiresca” com a qual a cidade e o clube pressionam para a desocupação total da área. Do outro lado, uma região grande de Liverpool – uma cidade de 450 mil habitantes – está completamente parada, atrasada em seu desenvolvimento, o que causa revolta em outros moradores. Discute-se inclusive a construção de um novo estádio para o Liverpool dentro do Stanley Park, como solução para o impasse. Além dos custos da nova obra, o Liverpool e a cidade podem ainda ter que arcar com indenizações que giram em torno de 500 mil libras por casa, em avaliação sobre a perda de receita pela falta de uso das casas.
No último dia 31 de maio as partes se reuniram, mas não firmaram um acordo. A prefeitura deu indícios de que pode fechar acordo com três dos proprietários dissidentes. É um avanço, mas que pode ainda estar longe de ser a solução para o caso.
Curiosamente, o período da discussão sobre Anfield marca também o declínio do domínio dos Reds no futebol inglês. Até 1996 o Liverpool era o maior campeão inglês, com 18 conquistas (a última na temporada 1989-90). De lá para cá, e já durante a discussão, viu o Manchester United, então com 11 conquistas, ultrapassar o número de taças e se tornar o rei da Premier League, com 20 títulos.
Sábado, quando milhares caminharem rumo a Anfield para ver o duelo entre Liverpool e Everton, o bairro deixará de ser fantasma, ao menos por 90 minutos. Depois, Anfield voltará a estar sozinho, apesar da mensagem em seu portão.